quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O Melô da Caretinha


Eu ando em círculos tortos tentando achar o equilíbrio que eu preciso pra não desmoronar no meio fio, sozinha. Ficando tonta por tentar entender, pela milésima vez, o que me segura tão fundo no chão, que deposita vinte toneladas nas minhas costas e eu não consigo voar.

Tento achar culpados, xingar os meus e os seus medos, reprimir todos meus impulsos assassinos por todas as pessoas que eu sou obrigada a odiar simplesmente por não poder amar. Tento sofrer menos por tudo no mundo, mas a vida me envolve de verdades o tempo todo e é difícil sorrir pras desgraças quando a sobriedade é parte inerente do meu todo. Encarar a vida de frente, com todas as merdas que cagam gostoso na minha cabeça todo santo dia, não é fácil. Viver não é fácil, nem bonito e nem me dá tesão muitas vezes.

E eu choro sem saber o porquê enquanto a vida acontece lá fora. Tanta gente desgraçada por coisas de verdade e eu, ainda presa às dúvidas atrasadas de tudo que não se explica, não consigo definir porque tudo fica tão aguado ao meu redor. Eu fico parada olhando tudo acontecer comigo, tudo acontecer com os outros. Eu choro sabendo que o mundo não é bom, que crianças morrem arrastadas por sete quilômetros presas a um carro em movimento. Choro pensando que é um adulto, que provavelmente nunca foi criança, que dirige esse carro. Choro sabendo que muitas outras crianças vêem seus pais morrerem numa guerra de adultos e que elas não pediram pra estar lá, mas estão.

Os meus problemas são tão pequenos. As minhas dores são tão precisas.

Mas olhar ao meu redor me perturba e dói saber que viver machuca. Só que viver é tão bom, apesar de tudo isso, que mesmo no dia mais difícil de muitos, de todos, de tantos, eu não consigo entender, nem por um instante, a coragem do suicida.

Ter coragem de ser covarde.

Nunca mais ver o sol nascendo, nunca mais sentir o cheiro do mar, nunca mais acordar amassado porque perdeu a hora, nunca mais trocar o almoço saudável por um chocolate bem grande e gorduroso, nunca mais ter medo de altura, nunca mais abraçar um amigo, nunca mais olhar nos olhos da sua mãe, nunca mais se apaixonar, nunca mais sentir o quente da boca de outra pessoa na sua nuca, nunca mais sofrer, nunca mais querer tanto uma coisa com tanta força que o universo conspire, mesmo, a seu favor, nunca mais errar, nunca mais amar, nem odiar, nunca mais escrever o que sente, nunca mais sentir.

Desistir da vida é olhar de frente pro nunca mais.

E por mais que doa, por mais que seja injusto, por mais que eu chore e que a minha sensibilidade excessiva cause em mim muitas outras coisas que não só alegria ou amor, eu não quero desistir das sensações - as boas, as ruins e as idiotas - nunca. Eu não quero desistir dos finais definitivamente felizes ainda, mesmo que, esses finais tenham vindo, até agora, só pela metade.

Eu ando em círculos tortos tentando achar um jeito de enxergar as coisas com menos precisão pra eu não precisar tanto de motivos exatos pra continuar caminhando. E, ainda que, minha vida titubeie aqui ou ali, tudo o que eu posso fazer por mim mesma, no final das contas, é fingir que a vertigem não enjoa, e seguir em frente.

Pra mim, espertos não são os suicidas de póstuma, aqueles que maquiam a realidade com seus entorpecentes-amigos, e matam a vida de pouquinho em pouquinho só porque não têm coragem de fazer isso de uma vez, como os de véspera.

Sábio, mesmo, é Johnnie Walker, que há anos mata um mundo de covardes, mas continua andando.

[Rani Ghazzaoui]


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