sábado, 30 de janeiro de 2010

=)


"Mal-me-quer, pensou com tristeza, vendo a última pétala. Depois lembrou que não tinha pensado em ninguém, e ficou alegre outra vez.”


(Caio Fernando Abreu)


=*

Eu sei, mas não devia

Eu sei que a gente se acostuma.
Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E porque à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora. A tomar café correndo porque está atrasado. A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíches porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir a janela e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz.(...)
A gente se acostuma esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que paga. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com o que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes, a abrir revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema, a engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata de produtos.
A gente se acostuma à poluição. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às besteiras das músicas, às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À luta. À lenta morte dos rios. E se acostuma a não ouvir os passarinhos, a não colher frutas do pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.A gente se acostuma para poupar a vida, que aos poucos se gasta e, que, de tanto acostumar, se perde de si mesma. (Rose)


=*

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Todo silêncio


Para caminhar

sobre a delicada ponte

que leva aos olhos do outro,

todo silêncio é pouco.

Para ouvir a música

que se desprende

de todas as coisas belas,

todo silêncio é pouco.

Para sentir na pele

o veludo de um jardim,

quando a noite envolve o mundo

em sua rede de estrelas,

todo silêncio é ouro...

Para entender,

palavra por palavra,

a voz que vem do coração,

todo o silêncio.

(Roseana Murray)


=*

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Sísifo


Recomeça...

Se puderes,

Sem angústia e sem pressa.

E os passos que deres,

Nesse caminho duro

Do futuro,

Dá-os em liberdade.

Enquanto não alcances

Não descanses.

De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca, saciado,

Vai colhendo

Ilusões sucessivas no pomar.

Sempre a sonhar

E vendo,

Acordado,

O logro da aventura.

És homem, não te esqueças!

Só é tua a loucura

Onde, com lucidez, te reconheças.

(Miguel Torga)


=*

E daí?


E aí quando a gente se sente sozinho? A solidão vem quando não tem ninguém pra dividir a rede com você ou quando o celular não toca mais ou quando não tem mais ninguém pra lutar por um pedaço de chocolate na sua casa ou quando nem chocolate na sua casa tem. Ela vem sozinha, porque solidão que é solidão nunca tá acompanhada. Quando você se pega conversando sozinha na caminhada ou rindo sem saber do que pras paredes da casa. Mas ainda bem que a gente sorri, milhões de vezes a mais na vida do que se sente sozinho. Quando ganha outro sorriso, um bombom ou um beijo. Ou num momento inesperado, quando o celular toca e a mensagem diz que alguém te ama. Sorri quando encontra amigos de verdade. Sorri até sem querer. Disseram um dia que um sorriso melhora tudo, tanto pra quem o dá quanto pra quem o recebe. Mas você sorri principalmente quando faz alguém sorrir, porque daí vem a certeza de que já não se está mais sozinho.

(créditos para quintaldefelicidades.blogspot.com)


=*

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Fé...


Com a mão direita na testa. Pai-Filho-Espírito-Santo. Amém. Olha pra frente na tentativa de crer em si mesma. Se não acredita, deixa de existir. Pensa. Respira fundo. Caminha muito, mas ainda sabe chorar, o que a mantém viva e na vertical. Pensa um pouco e lembra de gargalhar e girar de braços abertos vigiada pela lua. Alta crescente. Deus manda noticías por uma estrela cadente. Apenas segue. Em frente

(Vanessa)


=*