domingo, 27 de setembro de 2009

O Sorriso Perdido de Carolina

Carolina coleciona sorrisos. É uma coleção antiqüíssima, herdada do pai, conta com sorrisos amarelos que de tão raros ela esconde entre os dentes, costurados pela linha dos lábios. Nunca os exibe para ninguém, nem para o espelho. Não os troca por nada, nem por outros sorrisos. Preserva-os por medo de que alguém algum dia venha a roubá-los. Acorda com fortes dores abdominais, porque alguns, como borboletas no estômago, começam a lhe fazer cócegas. Não boceja por receio de que eles escapem. Não come por receio de regurgitá-los. Quando muitos lhe saem pelo umbigo, a vagar por aí divertindo as pessoas, segue-os à procura de novas variedades.

Sua coleção, que já era vasta, aumentou ao passo que colheu estes exemplares pelas ruas. Já possui os de toda a vizinhança, que deixou de sorrir faz muito tempo. Não se ouve mais o risi-nho entre dentes do dono do mercantil, as gargalhadas extravagantes dos bêbados na esquina. Carolina já os copiou e se antecipa a todos eles. Tudo perdeu um pouco a graça por ali. Passou então a andar de ônibus com o seu caderninho, tomando nota de cada sorriso de calçada que lhe aparecia no trânsito, e que ela tentava imitar muito à sua maneira, rápida e silenciosa, que era para ninguém ver porque tinha muita vergonha de que alguém no ônibus reivindicasse um sorriso alheio.

Eu já tentei guardar um sorriso para lhe dar de presente, mas não soube ao certo como fazê-lo. Sorrisos são difíceis de guardar. É quase como uma arte. Mas se guardasse os que já ouvi, tão autênticos, tão estranhos, tenho certeza de que me agradeceria com lágrimas nos olhos. Porque dos meus Carolina já têm em grande quantidade. Não valem mais nada para ela. Se cada ocasião exige um sorriso, em cada ocasião ela sabe exatamente que sorriso eu vou dar. Não consigo sorrir ao telefone com ela ao meu lado. Não consigo sorrir com ela me espreitando à mesa. Não consigo sorrir com ela prevendo cada milímetro de rosto que irei mobilizar, cada inflexão de voz que deliberadamente irei assumir enquanto estiver sorrindo.

Ouvi boatos de que, em sua coleção recente, um sorriso está lhe faltando: o seu. Carolina não sabe sorrir. Desaprendeu o seu próprio jeito de fazer. Perdido entre tantos sorrisos, num lugar que nem ela consegue achar, lá está ele, esquecido. Nada o faz surgir, nada o faz brotar. E quantas piadas já não o procuraram. Quantas alegrias já não perderam sua imagem entre as orelhas.

Carolina só sorrirá quando acabarem os sorrisos do mundo.

(Renivaldo Costa)


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